terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Artigo: A promessa do candidato como crime eleitoral

Por Marcos Araújo

O brasileiro é, antes de tudo, um infiel. Um compulsivo fazedor de promessas, poderia ter dito Euclides da Cunha. Mas nem todos são assim, diria alguns crédulos e púdicos morais. 

Contudo, não cabe esse pensamento de exceção num breve olhar para a política em período eleitoral.

Consabidamente, somos expositores de dois modelos sociológicos repudiados pelas nações politicamente organizadas: a infidelidade partidária e a promessa eleitoreira. Não há (nunca houve, nem haverá!) seriedade ou compromisso com a palavra dada ou empenhada pelo candidato na época das eleições. Ao iniciar-se na arte da política, a primeira coisa que o candidato aprende é a prometer.

Não se ganham eleições sem grandes promessas e sem uma pilha de reais para os gastos de impossível contabilização

A promessa é o “melhor” produto do marketing eleitoral. Não existe campanha eleitoral sem promessa e caixa dois. Não se ganham eleições sem grandes promessas e sem uma pilha de reais para os gastos de impossível contabilização (compra de adesões, pagamento de cabos eleitorais, acerto financeiro com as bases etc).

A palavra está para o político como a linguagem está para o direito. A deturpação que se faz de cada um desses instrumentos é o que prejudica a sociedade. Nas eleições vivemos apenas a escutar promessas, jogadas nos horários eleitorais e nos eventos políticos despudoradamente, por todos os candidatos. Algumas hilárias, como a de Miguel Mossoró que prometeu fazer uma ponte ligando Natal a Fernando de Noronha. Para o eleitor fica a difícil tarefa de avaliar quem mente menos. O bardo William Shakespeare já dizia que “Contrabalançar promessas com promessas é estar pesando o nada.”

Por pura insensatez, a Lei nº 9.504/97 veio piorar ainda mais esse quadro de mentira e demagogias ao exigir que o candidato ao Executivo — presidente, governadores e prefeitos apresente, por ocasião do registro da candidatura, as “propostas defendidas” (art. 11, §1º, inciso IX). Rousseau vetustamente já ensinava na França iluminista: “Quem mais demora a fazer uma promessa é quem a cumpre mais rigorosamente.”

A inovação trazida pela Lei n.º 12.034/2009, ao alterar o artigo 11 da Lei Eleitoral para obrigar aos candidatos a chefe do Executivo a apresentarem seus projetos e propostas é inócua. Sabe-se que a sua intenção era para evitar que os candidatos não se apoderassem de propostas de concorrentes no decorrer da disputa, bem como permitir aos cidadãos o acompanhamento, fiscalização e cobrança durante o exercício do mandato.

A norma é inócua, na medida em que o controle efetivo do cumprimento de propostas não se verifica viável em razão do mencionado documento não vincular as ações do mandatário eleito.

Não por acaso juristas e sociólogos brasileiros estão exigindo a criminalização da conduta da promessa não cumprida, estelionatária, aquela de impossível cumprimento ou irrealizável. Sabemos que crimes eleitorais – sob o aspecto formal – são aquelas condutas consideradas típicas pela legislação eleitoral. Sob o aspecto material, crimes eleitorais são todas aquelas ações ou omissões humanas, sancionadas penalmente, que atentem contra os bens jurídicos expressos nos direitos políticos e na legitimidade e regularidade dos pleitos eleitorais.

Pois bem. Dois projetos de lei em andamento visam dar extensão ampliativa ao conceito de estelionato, para tornar crime o não cumprimento das propostas de governo registradas durante a campanha eleitoral e também as promessas divulgadas pelo candidato no horário eleitoral no rádio e na TV e na internet.

O primeiro projeto (Projeto de Lei 4.523/12) é de autoria do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), alterando o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para incluir o estelionato eleitoral entre as práticas de estelionato. De forma geral, esse crime caracteriza-se pela obtenção de vantagem ilícita com prejuízo para outra pessoa, a partir da indução ao erro mediante fraude. A pena atualmente prevista é reclusão de um a cinco anos e multa. É certo que o estelionato eleitoral encerra o mesmo tipo de fraude, só que em relação ao exercício da cidadania.

O projeto tramita em conjunto com o PL 3453/04, que tipifica como estelionato eleitoral o crime no qual o candidato promete, durante campanha eleitoral, fazer projetos de investimento sabendo que é inviável a concretização da promessa.

As propostas estão sendo analisadas pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois seguem para o Plenário.

Melhor seria se houvesse uma modificação do artigo 299 do Código Eleitoral, para alargar o conceito de promessa como crime de corrupção eleitoral. É bem verdade que nesses últimos quatro anos a jurisprudência do TSE deu um elastério para considerar como crime de corrupção eleitoral meras promessas eleitoreiras.

O crime de corrupção eleitoral ativa, previsto no art. 299 do Código Eleitoral, possui as seguintes condutas típicas: dar, oferecer ou prometer, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. A pena é de reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Verifica-se, portanto, que a conduta de dar, oferecer ou prometer vantagem a alguém deve ter a intenção especial (dolo específico) de obter voto ou conseguir abstenção. O crime de corrupção eleitoral é um crime formal, ou seja, não depende da ocorrência de resultado. Consuma-se, portanto, com o simples oferecimento de vantagem a alguém com a finalidade de obter o voto, não sendo necessário que o destinatário da oferta efetivamente vote no candidato. O art. 299 do Código Eleitoral dispõe, inclusive, que a oferta não precisa sequer ser aceita para configurar o crime de corrupção eleitoral ativa.

Por outro lado, cabe destacar que a consumação do crime independe da ocorrência do resultado, o que significa ser irrelevante a obtenção efetiva do voto ou da abstenção, como decorrência da atividade típica. Com esse enfoque, o TSE resolveu dar uma ampliação para entender como elemento subjetivo do crime a mera atividade da promessa com intuito de conseguir votos. Num caso recente, foi condenado o candidato a prefeito do Município de Pedro Canário/ES, por associar suas promessas a eventos políticos. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 4454-80.2009.6.08.0000, em que foi Relatora a Ministra Nancy Andrighi)

É certo que nessas eleições do presente, em que foi suprimido o romantismo do partidarismo político, em que se aposentaram os bons discursos e acabaram com a presença física dos candidatos, a promessa e a falsidade são os elementos mais usados, porque manobrados por hábeis marqueteiros.

Nos meios jurídicos até se fala com um certo desdém quando o tema é a criminalização dessas condutas. A proposta de alteração legislativa não passará. São vícios inerentes ao nosso processo educacional e moral; falhas comportamentais vistas com complacência e já absorvida pela visão ética do nosso povo. Lembro de um episódio envolvendo o falecido jurista Miguel Josino e o professor francês Stephanie Monclaire. Em Paris, após ministrar um curso de Direito Constitucional para um grupo de professores brasileiros e dizer que gostava muito do nosso país, o Professor Monclaire foi interrompido por Miguel Josino convidando para ele vir ao Brasil e realizar similar evento em Natal. Ao retornar para o Brasil, ao abrir sua caixa de mensagens o jurista Miguel Josino surpreendeu-se com um e-mail do Prof. Monclaire querendo saber qual era a data do curso e quando ele mandaria as passagens. Um entrechoque de sistema educacional: para o brasileiro, a promessa é uma dúvida. Para o europeu, a promessa é uma dívida. Dúvida aqui, dívida lá.

Na nossa "pátria de ponteiros", quando o brasileiro diz 'tô chegando!' é porque, na real, ele está saindo. Para Antonio Prata, “as declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade —são uma manifestação do seu desejo. Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.”

Criminalizar as promessas eleitorais pode ser o caminho para uma mudança comportamental numa sociedade pródiga em mentiras toleradas. Dois exemplos banais da compulsão por mentir: toda vez que demora uma comida no restaurante e você pergunta ao garçom, ele responde: - tá saindo! Você já sabe que esperará mais meia hora. E tem a lojista que ao ser indagada por tal produto e, na falta, ela diz: - vendemos o último há pouco tempo! Acabou agora!

Prometer é fazer dívida. E a dívida é a mãe prolífica de loucuras e crimes, disse-o com sabedoria Benjamim Disraeli.

* Marcos Araújo é Mestre em Direito Constitucional, Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Advogado militante na área de Direito Eleitoral.

Fonte: Novoeleitoral.com

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