Por Marcos Araújo
O brasileiro é, antes de tudo, um infiel. Um compulsivo fazedor de
promessas, poderia ter dito Euclides da Cunha. Mas nem todos são assim,
diria alguns crédulos e púdicos morais.
Contudo, não cabe esse
pensamento de exceção num breve olhar para a política em período
eleitoral.
Consabidamente, somos expositores de dois modelos sociológicos
repudiados pelas nações politicamente organizadas: a infidelidade
partidária e a promessa eleitoreira. Não há (nunca houve, nem haverá!)
seriedade ou compromisso com a palavra dada ou empenhada pelo candidato
na época das eleições. Ao iniciar-se na arte da política, a primeira
coisa que o candidato aprende é a prometer.
Não se ganham eleições sem grandes promessas e sem uma pilha de reais para os gastos de impossível contabilização
A promessa é o “melhor” produto do marketing eleitoral. Não existe
campanha eleitoral sem promessa e caixa dois. Não se ganham eleições sem
grandes promessas e sem uma pilha de reais para os gastos de impossível
contabilização (compra de adesões, pagamento de cabos eleitorais,
acerto financeiro com as bases etc).
A palavra está para o político como a linguagem está para o direito. A
deturpação que se faz de cada um desses instrumentos é o que prejudica a
sociedade. Nas eleições vivemos apenas a escutar promessas, jogadas nos
horários eleitorais e nos eventos políticos despudoradamente, por todos
os candidatos. Algumas hilárias, como a de Miguel Mossoró que prometeu
fazer uma ponte ligando Natal a Fernando de Noronha. Para o eleitor fica
a difícil tarefa de avaliar quem mente menos. O bardo William
Shakespeare já dizia que “Contrabalançar promessas com promessas é estar
pesando o nada.”
Por pura insensatez, a Lei nº 9.504/97 veio piorar ainda mais esse
quadro de mentira e demagogias ao exigir que o candidato ao Executivo —
presidente, governadores e prefeitos apresente, por ocasião do registro
da candidatura, as “propostas defendidas” (art. 11, §1º, inciso IX).
Rousseau vetustamente já ensinava na França iluminista: “Quem mais
demora a fazer uma promessa é quem a cumpre mais rigorosamente.”
A inovação trazida pela Lei n.º 12.034/2009, ao alterar o artigo 11
da Lei Eleitoral para obrigar aos candidatos a chefe do Executivo a
apresentarem seus projetos e propostas é inócua. Sabe-se que a sua
intenção era para evitar que os candidatos não se apoderassem de
propostas de concorrentes no decorrer da disputa, bem como permitir aos
cidadãos o acompanhamento, fiscalização e cobrança durante o exercício
do mandato.
A norma é inócua, na medida em que o controle efetivo do cumprimento
de propostas não se verifica viável em razão do mencionado documento não
vincular as ações do mandatário eleito.
Não por acaso juristas e sociólogos brasileiros estão exigindo a
criminalização da conduta da promessa não cumprida, estelionatária,
aquela de impossível cumprimento ou irrealizável. Sabemos que crimes
eleitorais – sob o aspecto formal – são aquelas condutas consideradas
típicas pela legislação eleitoral. Sob o aspecto material, crimes
eleitorais são todas aquelas ações ou omissões humanas, sancionadas
penalmente, que atentem contra os bens jurídicos expressos nos direitos
políticos e na legitimidade e regularidade dos pleitos eleitorais.
Pois bem. Dois projetos de lei em andamento visam dar extensão
ampliativa ao conceito de estelionato, para tornar crime o não
cumprimento das propostas de governo registradas durante a campanha
eleitoral e também as promessas divulgadas pelo candidato no horário
eleitoral no rádio e na TV e na internet.
O primeiro projeto (Projeto de Lei 4.523/12) é de autoria do deputado
Nilson Leitão (PSDB-MT), alterando o Código Penal (Decreto-Lei
2.848/40) para incluir o estelionato eleitoral entre as práticas de
estelionato. De forma geral, esse crime caracteriza-se pela obtenção de
vantagem ilícita com prejuízo para outra pessoa, a partir da indução ao
erro mediante fraude. A pena atualmente prevista é reclusão de um a
cinco anos e multa. É certo que o estelionato eleitoral encerra o mesmo
tipo de fraude, só que em relação ao exercício da cidadania.
O projeto tramita em conjunto com o PL 3453/04, que tipifica como
estelionato eleitoral o crime no qual o candidato promete, durante
campanha eleitoral, fazer projetos de investimento sabendo que é
inviável a concretização da promessa.
As propostas estão sendo analisadas pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois seguem para o Plenário.
Melhor seria se houvesse uma modificação do artigo 299 do Código
Eleitoral, para alargar o conceito de promessa como crime de corrupção
eleitoral. É bem verdade que nesses últimos quatro anos a jurisprudência
do TSE deu um elastério para considerar como crime de corrupção
eleitoral meras promessas eleitoreiras.
O crime de corrupção eleitoral ativa, previsto no art. 299 do Código
Eleitoral, possui as seguintes condutas típicas: dar, oferecer ou
prometer, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra
vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção,
ainda que a oferta não seja aceita. A pena é de reclusão até quatro
anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.
Verifica-se, portanto, que a conduta de dar, oferecer ou prometer
vantagem a alguém deve ter a intenção especial (dolo específico) de
obter voto ou conseguir abstenção. O crime de corrupção eleitoral é um
crime formal, ou seja, não depende da ocorrência de resultado.
Consuma-se, portanto, com o simples oferecimento de vantagem a alguém
com a finalidade de obter o voto, não sendo necessário que o
destinatário da oferta efetivamente vote no candidato. O art. 299 do
Código Eleitoral dispõe, inclusive, que a oferta não precisa sequer ser
aceita para configurar o crime de corrupção eleitoral ativa.
Por outro lado, cabe destacar que a consumação do crime independe da
ocorrência do resultado, o que significa ser irrelevante a obtenção
efetiva do voto ou da abstenção, como decorrência da atividade típica.
Com esse enfoque, o TSE resolveu dar uma ampliação para entender como
elemento subjetivo do crime a mera atividade da promessa com intuito de
conseguir votos. Num caso recente, foi condenado o candidato a prefeito
do Município de Pedro Canário/ES, por associar suas promessas a eventos
políticos. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 4454-80.2009.6.08.0000, em que
foi Relatora a Ministra Nancy Andrighi)
É certo que nessas eleições do presente, em que foi suprimido o
romantismo do partidarismo político, em que se aposentaram os bons
discursos e acabaram com a presença física dos candidatos, a promessa e a
falsidade são os elementos mais usados, porque manobrados por hábeis
marqueteiros.
Nos meios jurídicos até se fala com um certo desdém quando o tema é a
criminalização dessas condutas. A proposta de alteração legislativa não
passará. São vícios inerentes ao nosso processo educacional e moral;
falhas comportamentais vistas com complacência e já absorvida pela visão
ética do nosso povo. Lembro de um episódio envolvendo o falecido
jurista Miguel Josino e o professor francês Stephanie Monclaire. Em
Paris, após ministrar um curso de Direito Constitucional para um grupo
de professores brasileiros e dizer que gostava muito do nosso país, o
Professor Monclaire foi interrompido por Miguel Josino convidando para
ele vir ao Brasil e realizar similar evento em Natal. Ao retornar para o
Brasil, ao abrir sua caixa de mensagens o jurista Miguel Josino
surpreendeu-se com um e-mail do Prof. Monclaire querendo saber qual era a
data do curso e quando ele mandaria as passagens. Um entrechoque de
sistema educacional: para o brasileiro, a promessa é uma dúvida. Para o
europeu, a promessa é uma dívida. Dúvida aqui, dívida lá.
Criminalizar as promessas eleitorais pode ser o caminho para uma
mudança comportamental numa sociedade pródiga em mentiras toleradas.
Dois exemplos banais da compulsão por mentir: toda vez que demora uma
comida no restaurante e você pergunta ao garçom, ele responde: - tá
saindo! Você já sabe que esperará mais meia hora. E tem a lojista que ao
ser indagada por tal produto e, na falta, ela diz: - vendemos o último
há pouco tempo! Acabou agora!
Prometer é fazer dívida. E a dívida é a mãe prolífica de loucuras e crimes, disse-o com sabedoria Benjamim Disraeli.
* Marcos Araújo é Mestre em Direito Constitucional, Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Advogado militante na área de Direito Eleitoral.
Fonte: Novoeleitoral.com
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