Jornalista César Santos, com o entrevistado Vanzinho Carneiro |
REVELAÇÃO
Até
o roubo dos mais de 164 milhões de reais do Banco Central de Fortaleza
(CE), entre os dias 6 e 7 de agosto de 2005, o maior assalto do País
havia sido dos 94 milhões de cruzeiros da emergência, protagonizado por
membros da tradicional família Carneiro de Caraúbas, no dia 18 de maio
de 1982. Superou, inclusive, o assalto do trem pagador, com Tião
Medonho, contado em filme. O caso policial repercutiu em todo o País;
levou para cadeia o grupo que organizou o assalto; mas também vitimou
pessoas inocentes. Tudo isso já foi divulgado à exaustão. Porém,
detalhes da ação espetacular dos Carneiros, o leitor vai conhecer agora,
três décadas depois. No “Cafezinho com César Santos”, o agropecuarista e
cantor evangélico José Vantuil Carneiro, o “Vanzinho”, conta como tudo
aconteceu. Ele participou diretamente do assalto, juntamente com outros
três membros de sua família. “A ideia era pegar 600 milhões, direto do
avião, mas houve um acidente de trânsito que impediu a ação no
aeroporto”, conta, sem se vangloriar. “Hoje não faria mais”, confessa.
Vanzinho foi condenado por esse e vários outros crimes a 142 anos de
prisão. Hoje, ele está livre e sem nenhuma pendência com a Justiça.
“Paguei pelos meus erros”, afirma. Há 28 anos, ainda na cadeia, se
converteu ao evangelho e iniciou a carreira de cantor evangélico. Tem
gravado cinco LPs, cinco CDs e um DVD com hinos e testemunhos. “Sou um
ganhador de almas para Jesus. Ganhar alma é a remissão de pecado”,
afirma, na redação do defato.com de Mossoró. Vanzinho também fala sobre
os confrontos de famílias em Caraúbas, do momento atual do clã Carneiro e
diz que a sua família não volta mais para o crime. “Entramos nesse
mundo porque era matar ou morrer; nossa família sempre foi muito
perseguida”, justifica. Leia a entrevista. As fotos são de Cézar Alves:
O ASSALTO aos 94 milhões da emergência é considerado o
segundo maior da história do País, ficando atrás apenas do assalto ao
Banco Central de Fortaleza (CE), ocorrido mais recentemente. Dizem que
foi uma ação espetacular para época, em 1982. Como ocorreu?
O ASSALTO aconteceu entre Caraúbas e Olho d’Água do Borges. Nós
ficamos aguardando o carro que trazia o dinheiro à beira da estrada. Era
uma Brasília, nova. Quando passou na velocidade, nós que estávamos num
Opala alcançamos e demos voz de assalto. Os guardas abriram fogo com
tiro de doze e arrancaram o teto do nosso carro. Respondemos à altura.
Na perseguição, meu irmão Branquinho acertou o pneu da Brasília, foi
quando os guardas fugiram pulando cerca e nós pegamos o dinheiro. Mas a
ação espetacular iria acontecer no aeroporto de Mossoró, porque nós
queríamos pegar todo o dinheiro que estava no avião, que era mais de 600
milhões de cruzeiros.
E O que foi que deu errado?
UMA batida (acidente de trânsito) com nosso carro, no sinal antes do
aeroporto (Rua Felipe Camarão). Nosso motorista atravessou o sinal
vermelho e outro veículo bateu de lado. Daí, tivemos que fugir com as
armas pesadas. Tomamos o carro Belina de um padre, que diziam que era
primo ou sobrinho do governador da época (Lavoisier Maia). Demos uma
rajada de bala no meio da rua e corremos do local. Mas, se não fosse
esse imprevisto, a coisa teria sido bem maior, porque a nossa intenção
era assaltar o dinheiro no avião. Essa ação iria ser grande, porque eram
600 milhões. Estávamos preparados. Creio que ia haver morte à vontade.
O GRUPO tinha informação da chegada desse dinheiro e dos valores?
NÓS tínhamos boas informações. Veja bem: todo assalto é parada certa.
Bandido não advinha onde tem dinheiro. Ele já vai na certeza. Naquela
época já era assim. As informações eram de dentro do banco (BANDERN).
QUANDO o grupo pegou o dinheiro, qual o passo seguinte?
NÓS fomos para a fazenda Timbaúba, propriedade de papai. Quando a
polícia fechou o cerco, eu ainda passei oito dias com os 94 milhões na
mala de um carro, em Mossoró, sem ter onde esconder. Depois, fui para a
casa de tia Maria Carneiro, perto da fábrica de gesso de Mossoró, e lá
entreguei o dinheiro para a campanha de Zimar Fernandes, que era
candidato a prefeito de Caraúbas. O interessante é que nós que
assaltamos ficamos ruim perante alguns membros da família, porque não
demos dinheiro a ninguém, já que o objetivo era gastar na campanha
eleitoral. Lembro de uma frase de Zimar quando mostramos o dinheiro:
“Meu Deus, se a polícia chegar agora o que será de nós?”.
O ASSALTO aos 94 milhões da emergência foi planejado com
objetivo de bancar projeto político em Caraúbas, ou essa versão é
fantasiosa? A polícia, na época, não acreditou nessa versão. Disse que o
grupo queria mesmo era dinheiro. Qual a versão verdadeira?
ZIMAR Fernandes (ex-prefeito de Caraúbas, assassinado pelos próprios
Carneiros) era nosso amigo; na época vice-prefeito de Ozael (Fernandes
Soares). Ele tinha o sonho de ser prefeito, mas não tinha condições
financeiras para bancar a campanha eleitoral. A gente, da família
Carneiro, já vinha sendo perseguido, devido a crimes de vingança. Foi
quando Zimar disse: “me ajude, que eu ajudo vocês”. Daí, fizemos o
assalto dos 94 milhões para “estourar” na campanha dele em 1982. Ele se
elegeu prefeito, beneficiado por ação dos Carneiros.
MAS como surgiu a briga dos Carneiros com Zimar, que culminou com a morte do prefeito?
QUANDO passou a campanha foi todo mundo preso devido ao assalto dos
94 milhões, inclusive Zimar. Em Natal, onde estávamos detidos, eu e meus
irmãos Maurício e Branquinho, assumimos a autoria do assalto e
inocentamos Zimar. Daí, ele foi solto e voltou de imediato para assumir a
Prefeitura de Caraúbas, levado pelo ex-governador Aluízio Alves e o
deputado naquela época Patrício Júnior (irmão do atual prefeito de
Alexandria, Alberto Patrício). No cargo de prefeito, Zimar começou a
criar problemas para a nossa família, de ordem política e pessoal. Daí,
começou a briga.
QUE problemas foram esses?
QUANDO estouramos os 94 milhões da emergência na campanha de Zimar,
dissemos para ele: “Zimar, esse dinheiro ninguém quer; é para a sua
campanha. Quando você concluir o mandato de prefeito, apoie Doutor
(Benevides Carneiro, líder da família, morto no Piauí no início da
década 2000) para ser o seu sucessor na Prefeitura.” Esse era o
compromisso. Só que quando Doutor se lançou candidato quatro anos
depois, Zimar negou o apoio e decidiu levantar a bandeira da briga ao
apoiar outro candidato. Daí, as coisas foram acontecendo. Zimar mandou
matar Antonininho Carneiro, que já era advogado e querido na família.
Daí aumentou o desmantelo, até o nosso sobrinho Merson Carneiro matar
Zimar, como todo mundo sabe. Zimar queria matar toda nossa família,
inclusive Doutor. Então, teria que ser morto.
O SENHOR falou que Aluizio Alves que levou Zimar de volta
para Caraúbas, depois do ex-prefeito ter sido liberado da cadeia. A
família Carneiro tinha ligação com os Alves?
TODA vida fomos aluizistas. Sempre apoiamos eles e eles sempre nos deram apoio.
OUTRA
briga histórica de famílias em Caraúbas envolveu os Carneiros e os
Simiões. Esse confronto, que é mais recente, foi iniciado por qual
motivo?
NÓS éramos todos amigos. Carneiros e Simões. Aguinaldo Pereira
(prefeito de Caraúbas assassinado pelos Carneiros) era de dentro de
nossa casa. Para ter ideia, temos um irmão com nome de Aguinaldo
(Galeguinho Carneiro, preso na Penitenciária Mário Negócio), escolhido
devido à amizade com Aguinaldo Pereira. Só que certo dia, Elinaldo
(irmão de Aguinaldo Pereira) chamou Valdetário, segundo contou o próprio
Valdetário, para assaltar um dinheiro da fábrica de Ademus Ferreira
(Aficel). Ora, Ademus era e é um grande amigo da nossa família, logo,
Valdetário disse não. Com a recusa, Elinaldo foi fazer esse assalto e
depois voltou para Caraúbas dizendo que foi Valdetário. De imediato,
Valdetário obrigou ele desmentir a história e devolver o dinheiro da
fábrica de Ademus. A partir daí, começou a intriga. O dr. João Pereira
(irmão de Aguinaldo e Elinaldo) chegou a “peitar” o ex-policial Haroldo
(morto em assalto no Piauí) para matar Valdetário. Só que nesse momento
Haroldo estava ao lado de Valdetário e contou tudo. Daí, Aguinaldo e
João procuraram Doutor para acalmar a situação, mas os problemas foram
piorando até chegar o ponto das mortes nas duas famílias.
O SENHOR se refere às mortes de Doutor, Aguinaldo, João e Elinaldo?
A MORTE de Doutor, segundo Valdetário me contou, partiu tudo de
Aguinaldo Pereira. Quando Doutor foi preso no Piauí, eles tramaram a
morte aqui. Por isso, os Carneiros tiveram que matar Aguinaldo e os seus
irmãos. Valdetário chegou a mim e disse: “tive que matar Aguinaldo
porque ele matou Doutor.” Foi vingança. Essa é a verdade que, aliás, é
de conhecimento público.
QUANDO e por que membros da família Carneiro entraram para o mundo do crime?
TUDO começou com a vingança da morte de tio Antonino, na década de
70. O sargento Adelson (Adriano Pires) matou o nosso tio e meu irmão
Maurício vingou essa morte, em Natal. Daí, a nossa casa sempre foi alvo
de perseguição porque ficamos marcados pela polícia. Meus irmãos mais
velhos foram presos. Maurício foi embora para o Rio de Janeiro e só
voltou 20 anos depois, quando o crime estava prescrito. Mesmo assim,
sofreu perseguição. Nessa época, eu já era um rapaz, passei a andar com
os meus irmãos e as coisas foram acontecendo, até chegar onde chegou. Os
assaltos aconteceram, as mortes por vingança aconteceram. Meu pai
(Raimundo Carneiro) certa vez chegou para nós irmãos e disse: “Vocês vão
morrer de braços cruzados? Se é de morrer é melhor matar.” Então,
tivemos que agir. Veja: quando o Sargento Adelson matou Antonino
disseram que a família Carneiro estava acabada. Por isso, tínhamos que
matar o sargento. Maurício foi lá em Natal e matou.
MAURÍCIO, nessa época, já atirava?
ELE teve que aprender. Todo dinheiro que pegava era para comprar
bala. Minha mãe (Luzia Benevides) dizia: Maurício, aprenda a atirar,
porque o Sargento Adelson é campeão de tiros da Polícia Militar. Se você
errar o primeiro tiro, o sargento lhe come. Certo dia, mamãe jogou uma
laranja para cima e Maurício acertou na laranja. Aí mamãe disse: está
preparado, meu filho. No dia da vingança, Maurício colocando as armas na
sacola, chegou a viúva de Antonino, Tia da Luz, e pediu para meu irmão
não ir, pois temia a sua morte. Mamãe disse: “se ele morrer, ainda tem
seis (irmãos) para fazer o serviço. Eu quero os meus filhos na vingança
do meu irmão, custe o que custar.” Foi aí que a viúva entregou três
balas dundum e disse que essas balas eram boas porque explodiam.
Maurício levou. Quando chegou lá, ele errou os três primeiros tiros com
as ditas balas. Daí, ele pegou a de chumbo e acertou o sargento no
primeiro tiro. Foi aí que começou tudo.
E QUANDO foi o que senhor decidiu sair do mundo do crime?
OLHA, quando eu entrei nesse mundo já sabia que o crime não
compensava, mas não tinha outra saída. Eu já estava dentro. Eu procurava
uma saída, mas não tinha jeito. Ouvia muito falar que para Carneiro não
tinha jeito. A ordem da polícia era matar Carneiro. Então, achava que
não tinha mais saída; até procurei, mas não encontrei. Mas, sei que Deus
é muito poderoso. Ele começou a colocar coisas no meu caminho para
mostrar outro rumo. Uma vez eu vinha de um assalto no Piauí; passei o
dia fugindo da polícia; atravessei todo o Ceará correndo da perseguição.
Já no início da noite, eu cheguei à Chapada do Apodi, quando ouvi uma
sanfona tocando e parei num povoado pensando que era forró. Era um
culto. Fiquei escorado no carro e observando aquilo; foi quando o pastor
se aproximou e disse: “Deus tem uma grande obra na sua vida.” Eu, muito
bruto, cego sem Deus, pensava que para mim a morte era um descanso,
respondi: “Pastor, pra mim não tem mais jeito não. Eu sou um foragido, a
ordem da polícia é me matar e eu não me entrego. Quero morre trocando
bala com a polícia.” Aí, o pastor disse: “Se você se entregar hoje,
Jesus resolverá o seu problema.” Eu era para ter seguido o conselho
naquele dia. Até hoje eu me arrependo de não ter aceitado Jesus como o
meu salvador naquele momento. Se tivesse seguido a orientação do pastor e
me entregado para Jesus e para a Justiça, eu teria respondido só um
processo. Preferi sair dizendo para os meus companheiros que pode
existir Deus para qualquer um, menos para mim que sou o desgraçado
condenado à morte. Hoje vejo diferente.
O QUE aconteceu depois desse dia?
EU fui preso e condenado. Foi na cadeia que Deus me salvou. Eu
agradeço a Deus por ter sido pego, não ter sido morto pela polícia. É
obra de Deus a minha presença agora diante de você, César, dando essa
entrevista, esse testemunho. Sou livre, graças a Deus.
O SENHOR saiu da cadeia, depois de 12 anos, e hoje segue a
carreira de cantor evangélico. De onde surgiu essa vocação para cantar?
EU gravei seis LPs, cinco CDs e agora um DVD, com hinos e
testemunhos. Essa coisa de cantar surgiu de forma até engraçada. Certo
dia, a Rádio Rural estava promovendo o concurso “A Mais Bela Voz” em
Caraúbas; e como eu gostava de cantar quando estava tangendo os bois da
fazenda de papai, resolvi me inscrever. Quando chegou o dia, eu enchi a
cabeça de maconha e subi no palco sem ter noção do que era ritmo,
instrumento ou coisa parecida. Cantei uma música de Jerry Adriani,
“Deixe o Mundo Girar”, e acabei ficando em segundo lugar. No dia
seguinte, meu primo Caçula Benevides (sanfoneiro respeitado em todo o
Nordeste) me convidou para ser o cantor de forró de sua banda. Fiquei
empolgado; Caçula me incentivou muito. Mas, chegou o dia que papai
disse: “vocês ou matam ou morrem”, aí eu tive que ir para o mundo do
crime. Decidi matar ou morrer com os meus irmãos. Então, quando cheguei
na cadeia que Deus me salvou, foi a primeira coisa que pensei: cantar.
Hoje, graças a Deus, tenho esse privilégio.
COM a morte do líder Doutor Benevides, o senhor não acha que a
família Carneiro perdeu a influência que tinha no município de Caraúbas
e região?
DOUTOR realmente era um líder. Tudo da família Carneiro era ele quem
resolvia. Aqueles que se perdiam na vida, Doutor chegava e controlava.
Ele tinha essa liderança, esse poder de dominação. Com a sua morte
sofremos um impacto, principalmente sob o ponto de vista político. Mas
não creio que a família Carneiro tenha ficado enfraquecida. Hoje, temos
representantes na política; participamos direta e indiretamente das
eleições deste ano; elegemos uma vereadora (Socorrinha). Admitimos,
porém, que a família se dividiu na política e isso pode não ter sido
bom. Mas creio que a família continua respeitada em Caraúbas e na
região.
Os CARNEIROS eram temidos pelo histórico policial, com a
participação em assaltos e mortes, principalmente nas décadas de 80, 90 e
início dos anos 2000. Com as mortes de Doutor e depois de Valdetário
Benevides, a família saiu do noticiário policial. Pode-se afirmar que
mudou o perfil da família?
SIM. A família hoje vê que o crime de vingança não compensa; que
assalto não compensa; que qualquer crime não compensa. Parou. Que eu
saiba, a nossa família não tem mais ninguém com essa “ilusão”. É verdade
que ainda temos irmãos e parentes foragidos, mas por consequência do
que fizeram no passado. É preciso dizer que membros da família entraram
para o crime de assalto devido à dificuldade financeira que enfrentamos.
Em consequência do assalto dos 94 milhões de emergência, que foi para
bancar projeto político, tivemos que ficar foragidos, sem poder
trabalhar. Com isso, a família ficou desamparada sob o ponto de vista
financeiro. Com as dificuldades, aconteceu a sequência de assaltos. Eu
decidi sair desse mundo antes dos meus irmãos. Quando resolvi tomar
outro rumo na vida, procurei a família e disse o que achava daquilo;
afirmei que não compensava viver no crime. Segui o evangelho e hoje eu
sou um ganhador de almas para Jesus.
O SENHOR considera a família Carneiro vítima ou vilã?
NENHUMA coisa, nem outra. Nós tivemos a criação de cabra do sertão,
de cabra macho. Não somos violentos; apenas tivemos que fazer o que era
para ser feito. As pessoas é que deram dimensão a isso. Pode ter certeza
que os Carneiros só mataram inimigos; não teve um inocente. Então, não
vejo a família como vítima, nem como vilã.
AINDA há possibilidade de membros de sua família enveredarem no mundo do crime?
NÃO creio. Também não acredito que alguém tenha coragem de voltar a
perseguir nossa família. As coisas mudaram muito. Caraúbas hoje tem o
prefeito Ademar Ferreira, um homem de bem. A cidade está se
desenvolvendo. Então, não há possibilidade de acontecer coisas como no
passado. Quem morreu, morreu; quem sobreviveu, procurou outro ramo de
vida. Está tudo na santa paz.
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